Quando terminei o ensino preparatório (5ª e 6ª classe) na minha aldeia, entrei para o 1.º ano do secundário (1975) na Escola Industrial Campos Melo na Covilhã. Senti muitas dificuldades em adaptar-me à escola, os “meninos” da cidade gozavam, não só por ter poucos amigos, já que por vezes me isolava, como também devido ao sotaque de aldeão e às vestes humildes que usava.
Logo nos primeiros dias de aulas, quando cheguei junto dos portões da escola, verifiquei um movimento estranho de alguns rapazes mais velhos. Ouvia risadas, outros corriam desalmados pelo pátio fora, e dos que fugiam lembro-me mesmo de ver alguns, a chorar. Fiquei logo de pé atrás, mas como tinha que entrar, lá vou eu. Mal passo os portões vêm logo uns três ou quatro matulões na minha direcção, dois agarram-me e um outro infligem-me várias tesouradas no cabelo, no final, pintaram-me o rosto com carvão. Não chorei, pois apesar de ser humilde, durante a infância já experimentara a dureza dos campos mas claro que fiquei abalado psicologicamente. Naquele dia as aulas “já eram”, por isso, toca a apanhar a camioneta para casa, indo de seguida ter com o “ti Serafim”, o barbeiro da aldeia, para me dar uma disfarçadela no cabelo.
Percebi então o que se passava, os alunos mais velhos faziam aos novos (caloiros) aquelas partidas, que chamavam praxes, tais como cortes de cabelo (tesouradas), pinturas, molhas e outros castigos que já não me lembro.
Aquele ritual prosseguiu durante cerca de uma semana. Muitas das vezes permanecia escondido junto do muro da entrada da escola, à espreita, esperando por um momento em os activistas estavam entretidos com outros para me escapar àquele tormento, outras, não conseguia e faltava às aulas.
Sei que muitos dos meus colegas, nos anos seguintes, fizeram o mesmo aos outros, mas eu nunca me juntei a eles pois não gostava daquelas brincadeiras nem de humilhar ninguém. Mais tarde essas práticas acabaram por cair em desuso nos ensinos secundários e passaram só a ser usadas nos universitários.
Nos últimos tempos, as praxes têm sido notícia, mas pela negativa, pois as mentes mais perversas, dão as boas vindas aos caloiros com divertimentos cruéis, ordinários e gratuitamente rebaixantes, roçando até em alguns casos o crime.
Sou da opinião que a praxe, a existir, deveria seguir regras do bom-senso, trabalhada com humor, subtil, inteligente e porque não até didáctica.
7 comentários:
Detesto essas praxes que se fazem agora nas Universidades. Acho de um mau gosto e de uma brutalidade excessivas. No meu tempo de faculdade as praxes limitavam-se a umas brincadeiras como, por exemplo, um dos mais velhos fingir que era o professor e vir dar-nos aulas em que nos assustava com a biblografia que teríamos obrigatoriamente que consultar (volumes e volumes) e com a "promessa" de muitos testes e exames. Nós caíamos como os patinhos e toda a gente se ria! No liceu não se faziam praxes. Pelo menos aqui em Lisboa. Talvez se fizesem em Coimbra
Eu não concordo de todo com as praxes pelos menos da forma que hoje em dia são praticadas cheias de crueldade e malvadez. Muito bem que se pregassem umas partiditas aos caloiros, mas exercer o poder pelo poder,acho execrável.
Aqui ficou mais um pouco do João...não gosto das praxes, e quando fui para a universidade quase não pûs lá os pés no primeiro mês...sorte que as turmas da noite não ligavam muito a isso...ainda assim não fui, já me chega não ter uma auto-estima como deve ser quanto mais ser humilhada na praça pública. Concordo quando falas no humor, e subtileza...haja alegria e com sendo. Deixo uma beijinho ao João, da João *** oteudoceolhar ***
As praxes deviam ser para integração dos mais novos, com regras e bom-senso que é o que tem faltado a este pessoal.Também me lembro na escola industrial de Penafiel haver essas praxes e fugir delas sorrateiramente para não ser humilhado.A humilhação parece ser o ritual da maioria das praxes, quando existe aquelas que até podiam servir de auto-estima ao caloiro.Existe um tipo de praxe na escola onde estou que se chama recepção ao caloiro, onde o caloiro é batizado tendo como padrinho um aluno do último ano que o vai ajudar na integração na escola.Assim o aluno mais novo sabe que terá o apoio do aluno mais velho e tem dado resultados óptimos. Gr. abraço João
No meu tempo havia uma ou outra "brincadeira" de mau gosto feita pelos mais velhos aos mais novos, mas sempre me coloquei à margem, não ganhando muitos "amigos" com isso, mas lá sobrevivi. Depois, comecei a trabalhar e passei para as aulas da noite e aí a "luta" era outra e a consciência também. Eram tempos difíceis e também de "despertar" de ideias...o jornal clandestino...o movimento associativo...o trabalhar de dia (com ordenados de miséria) e depois ir para as aulas até ás 23hrs...enfim, outros tempos.
Subscrevo as palavras do amigo Agostinho, em que as praxes deveriam ser com regras e bom-senso, e o exemplo na escola dele é um desses casos.
Grande abraço.
Olá João.
Desde que perdi o meu blog que ando afastada da net, mas vou fazendo algumas visitas aos amigos.
As praxes podiam ser engraçadas com umas pinturas na cara e, algumas brincadeiras como contar quantos passos media a sala de aulas.
As que se fazem agora tal como despir as raparigas e simular práticas sexuais, fazer os alunos comer a erva do jardim de gatas,(certa aluna comeu erva com insecticida e foi parar ao hospital), são uma vergonha e alguns casos deviam se de polícia.
Um abraço
Olá João! O tema é, mais uma vez, muito interessante e, para variar, volto a concordar consigo, deviam haver regras, o que se vê hoje em dia é uma estupidez, os mais velhos aproveitam-se da tua idade para ser armarem em mais importantes que os outros fazendo as praxes puras demonstrações de crueldade e humilhação. Felizmente nas faculdades já se pode dizer que não, mas quem o faz corre o risco de não ser bem aceite pelo resto... enfim. O lamentavel é que fora o periodo dito "normal de praxes" as humilhações continuam e os mais velhos insitem em dominar, litralmente, os mais novos. Deixo um beijinho :)
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