quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Nostalgias de Outono

Estamos ainda na primeira metade do Outono, para mim a estação do ano mais nostálgica. Em primeiro lugar porque terminou o verão, as idas à praia, o encontro de amigos e familiares, e respectivas patuscadas: Também porque se me emergem muitas recordações da minha juventude, quando vivia na quinta onde nasci, cresci e permaneci mais em contacto com a natureza. Hoje estou em condições de afirmar que quando se é criança e durante toda a fase da adolescência, têm-se mais tempo para observar a natureza, pensar nos quandos e nos porquês. Lembro-me de muitas vezes me deitar sobre a relva fresca e ficar tempos infinitos a olhar para o céu, para as nuvens e os pássaros, a tentar (semicerrando os olhos) olhar o sol, pensando como tudo surgiu.

O Outono também me faz lembrar as caminhadas até à floresta, para apanhar cogumelos, que se encontravam escondidos sob o manto castanho/avermelhado de folhas caducas, e quando os não encontrava, enchia os sacos com castanhas para um belo magusto. Também nesta altura se ouviam fortes e relampejantes trovões, que me faziam ficar quieto e mudo a um canto da cozinha, valendo as rezas de minha mãe «Santa Bárbara bendita, que no Céu está escrita, com um raminho de água benta, livrai-nos desta tormenta», que me deixavam mais sereno.

Também é no Outono que deixamos de ver as andorinhas, que de manhã até à noite, esvoaçam os nossos céus, numa busca incessante de alimento, comendo todos os insectos que com elas se cruzam no ar. Elas juntam-se em grandes bandos e voam em direcção aos países mais quentes de Africa, para depois voltarem na Primavera.

Por me serem tão familiares pensava que as andorinhas eram portuguesas, mais tarde compreendi que elas não tinham pátria, mas muitas voltavam todos os anos ao mesmo ninho, por isso têm nelas um pouco de Portugal.

Até pr’o ano!

Segundavida

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Recepção "amigável"

Quando terminei o ensino preparatório (5ª e 6ª classe) na minha aldeia, entrei para o 1.º ano do secundário (1975) na Escola Industrial Campos Melo na Covilhã. Senti muitas dificuldades em adaptar-me à escola, os “meninos” da cidade gozavam, não só por ter poucos amigos, já que por vezes me isolava, como também devido ao sotaque de aldeão e às vestes humildes que usava.

Logo nos primeiros dias de aulas, quando cheguei junto dos portões da escola, verifiquei um movimento estranho de alguns rapazes mais velhos. Ouvia risadas, outros corriam desalmados pelo pátio fora, e dos que fugiam lembro-me mesmo de ver alguns, a chorar. Fiquei logo de pé atrás, mas como tinha que entrar, lá vou eu. Mal passo os portões vêm logo uns três ou quatro matulões na minha direcção, dois agarram-me e um outro infligem-me várias tesouradas no cabelo, no final, pintaram-me o rosto com carvão. Não chorei, pois apesar de ser humilde, durante a infância já experimentara a dureza dos campos mas claro que fiquei abalado psicologicamente. Naquele dia as aulas “já eram”, por isso, toca a apanhar a camioneta para casa, indo de seguida ter com o “ti Serafim”, o barbeiro da aldeia, para me dar uma disfarçadela no cabelo.

Percebi então o que se passava, os alunos mais velhos faziam aos novos (caloiros) aquelas partidas, que chamavam praxes, tais como cortes de cabelo (tesouradas), pinturas, molhas e outros castigos que já não me lembro.

Aquele ritual prosseguiu durante cerca de uma semana. Muitas das vezes permanecia escondido junto do muro da entrada da escola, à espreita, esperando por um momento em os activistas estavam entretidos com outros para me escapar àquele tormento, outras, não conseguia e faltava às aulas.

Sei que muitos dos meus colegas, nos anos seguintes, fizeram o mesmo aos outros, mas eu nunca me juntei a eles pois não gostava daquelas brincadeiras nem de humilhar ninguém. Mais tarde essas práticas acabaram por cair em desuso nos ensinos secundários e passaram só a ser usadas nos universitários.

Nos últimos tempos, as praxes têm sido notícia, mas pela negativa, pois as mentes mais perversas, dão as boas vindas aos caloiros com divertimentos cruéis, ordinários e gratuitamente rebaixantes, roçando até em alguns casos o crime.

Sou da opinião que a praxe, a existir, deveria seguir regras do bom-senso, trabalhada com humor, subtil, inteligente e porque não até didáctica.