sábado, 19 de abril de 2008

Mudanças no divórcio

Recentemente foi aprovada na Assembleia da República uma nova lei que acaba com o divórcio litigioso.

Anteriormente o divórcio poderia realizar-se de comum acordo, ou quando assim não fosse, entrava-se num longo processo litigioso. Com as novas regras o conceito de culpa como fundamento do divórcio acaba e ele pode realizar-se mesmo sem que seja necessário o consentimento dos dois cônjuges. Neste caso a vontade de um dos membros do casal, assente em causas objectivas, pode provocar a ruptura da vida conjugal.

Outra das mudanças é que poderá incorrer no crime de desobediência aquele que não assumir as suas responsabilidades de pai ou mãe. A meu ver, com a crise que por aí vai, que resulta num sucessivo empobrecimento das famílias, não vão faltar processos em tribunal. Recentemente quiseram descongestionar os tribunais de tantos processos, com este novo cenário as secretárias vão ficar a abarrotar, pois os incumprimentos serão aos milhares.

As partilhas passarão a fazer-se como se os cônjuges tivessem estado casados em comunhão de adquiridos, mesmo que o regime convencionado tivesse sido a comunhão geral de bens. Poderão acabam-se assim os casamentos por conveniência. Também o cônjuge que tiver uma situação mais frágil e contribuído mais para a família, no momento da partilha poderá ser compensado.

O divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges (antigo litigioso) poderá acontecer quando existir separação de facto por um ano consecutivo; alteração das faculdades mentais do outro cônjuge há mais de um ano; ausência há mais de um ano sem dar notícia, ou quando ocorram quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem ruptura definitiva do casamento (onde se inclui a violência doméstica).

Seja com as leis antigas ou com novas regras, os processos de divórcio geram sempre grandes contrariedades e sofrimento para toda a família, principalmente quando eram resolvidos de forma litigiosa e se arrastavam por longos anos. Com a ruptura do casal e quando se envolviam filhos, eram estes que pagavam a maior factura. As crianças ficavam com traumas, pouca auto-estima e eram desde logo na infância infelizes, pois julgavam que o pai/mãe as abandonavam ou não queriam saber delas.

Sou a favor da união do casal, que se deve saber perdoar e resolver os erros no seio da família, mas quando tiver que haver ruptura, se os processos se resolverem agora de forma mais célere e se forem ambos os pais a acompanharem as situações de particular importância para os filhos, esperemos ao menos que, principalmente as crianças, tenham o seu sofrimento minorado.

Segundavida

domingo, 6 de abril de 2008

Os saloios

“À roda das grandes cidades vive uma população que, morfologicamente, pelo menos, parece distinta da urbana, a quem alimenta até certo ponto e a quem serve com assistência regular em necessidades, por via de regra, fundamentais. Em Paris são os maraicheres; em Roma, noutros tempos, os sabinos; em Lisboa os saloios” (do livro Leal da Câmara)

Desde que se me surgiu a faculdade de entender as “coisas”, ouvia chamar saloio àquele que era tosco, sem formação e até simplório. Outros chamavam de uma forma pejorativa “esperteza saloia”

Quando cheguei à região de Lisboa, migrado da Beira Baixa, comecei a ouvir que na zona noroeste de Lisboa existia a zona saloia. Principalmente habitantes dos conselhos de Mafra, Loures e Sintra, os “saloios” eram agricultores e artesãos nascidos e criados nessas regiões, os quais vinham comercializar os seus produtos para a cidade de Lisboa. Em tempos eles trajavam de um modo original, com roupas folclóricas e botas. Os homens usavam barretes na cabeça e a barba era do tipo suíças, que deixavam apenas o queixo a descoberto. As mulheres vestiam compridas saias coloridas, botas ou tamancas e mantéus na cabeça.

rancho folclórico representando a gente saloia

Interrogava-me muitas vezes donde provinha a palavra saloio, pelo que a curiosidade me levou a consultar nas bibliotecas os livros antigos da zona. Um deles, com o título “Leal da Câmara”, um estudioso das gentes saloias, deu-me as respostas que ambicionava.

As origens

“Quando D. Afonso Henriques, com ajuda dos Cruzados, tomou a cidade, estava ela repleta de mouros, repleta como um ovo. Explica-se: não teria sido outro o lugar de confluência dos fugitivos. Osberne refere que foram contados em Lisboa nada menos de 154.000 homens, afora mulheres e crianças, o que devia pelo menos duplicar este número. Tendo em vista que a urbe se limitava ao morro do Castelo, cingida em seu âmbito pelos arrais dos opugnadores, levantados no monte de S. Francisco, a Ocidente, no monte de Santa Ana, a Norte, no monte de S. Vicente de Fora, a leste, compreendidos ainda os vales circundantes, pasma-se como podia caber tanto povo num espaço tão reduzidíssimo.

Quando os cristãos, à frente as hostes de Gulherme de Longa Espada, entraram na cidade, não tardou que começasse a carnificina e o saque. Os cruzados não tinham vindo para outra coisa, e não houve compromisso nem palavra jurada que os impedisse de satisfazer a avidez e instintos ferozes. Fartaram-se de matar nos perros infiéis os bravos combatentes, mas ainda ficou muita gente. (…..) A tanta brutalidade, como podiam responder os vencidos que não fosse amontoados nas praças, vielas (….) erguendo mãos súplices e implorando Alah?!

Assim os escravos mouriscos faziam a salah, que na gíria do fero vencedor deu lugar a saloio, o homem das rezas e das mesuras, batido vendido e tocado à chibata, ridículo e ao mesmo tempo miserando. Tal é a explicação que se côa da etimologia fornecida por Pinho Leal e que se nos afigura mais consentânea com a psicologia dos factos.”

(do livro Leal da Câmara)

Expulsos da cidade de Lisboa, despojados de todos os bens e sem ofício definido, aos mouros não lhe restou outra saída senão cavar as terras à volta de Lisboa, para assim poderem sobreviver. Desse trabalho forçado também nos ficaram os vocábulos “moirejar” e “trabalhar como um moiro”. É assim explicada a origem dos saloios.

Segundavida